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domingo, 30 de outubro de 2011

Dulcinéia - o amor encantado de Quixote - parte I

Tuesday, March 21, 2006

Dulcinéia - o amor encantado de Quixote - parte I



Esse ensaio tem por finalidade refletir teórica e criticamente sobre o romance “Dom Quixote”. Nosso estudo abordará a relação dialógica real/irreal que a personagem D. Quixote estabelece com o mundo que o cerca. Nesse sentido, centraremos atenção no discurso de amor platônico que o “cavaleiro da triste figura” constitui no decorrer do romance em busca do amor ideal. Como base teórica estaremos fazendo uso dos textos lidos e discutidos em sala de aula tais como: “as palavras e as coisas: Representar” de Michel Foucault, “A Dulcinéia Encantada” de Erich Auerbach e “O Jogo de Dom Quixote e Sancho” de Robson André Silva, entre outros.
Nessa perspectiva, observaremos como o universo do narrador do romance comunica-se com o universo do leitor de sua obra promovendo a fusão do jogo lúdico real/imaginário, ou seja, a realização da ficção numa síntese lúdica x síntese dialética gerando assim a tensão dos contrários que consiste em transformar a realidade petrificada em uma ficção dinâmica por meio das aventuras em que se encontram D. Quixote e Sancho, levando-nos a equilibrar-nos na tênue linha entre razão e loucura.
         Don Quijote de la mancha, obra escrita por Miguel de Cervantes, é um livro peculiar que veio para quebrar paradigmas e refutar grandes questionamentos no leitor, como, por exemplo, fazer pensar sobre a questão da separação de contrários e a união dos mesmos (ficção e realidade, razão e loucura, o não ser e o ser , etc).
        Segundo André Silva (2001) a obra apresenta a ficção de Miguel de Cervantes, dentro de uma outra ficção, Quixote, a personagem do romance cervantino, sendo autor de sua própria existência literária. A partir daí começa um incrível jogo lúdico e irônico colocando em xeque a dicotomia entre ficção e realidade, pois Dom Quixote é uma personagem leitora de livros de Novelas de Cavalaria, que decide sair pelo mundo com a idéia de se tornar um cavaleiro, mas um cavaleiro que tem sua própria identidade, transfigurando sua realidade por meio de sua imaginação, conscientemente, já que a existência humana pode ser vista como a possibilidade do ser e que as coisas ditas “reais” ganham um significado a depender do olhar de quem as vê. Assim, ao olhar ficcionalizado lúdico e conscientemente de Dom Quixote, mercadores transformam-se em cavaleiros andantes, moinhos de ventos em gigantes, dois rebanhos de ovelhas e carneiros em dois grandes exércitos, a lavradora Aldonza Lorenzo na Formosa Imperatriz da Mancha Dulcinéia Del Toboso, que é apresentada na obra como o grande amor do protagonista. Para Silva (2001), Em meio a essas transfigurações aparentes na obra, pode se dizer que as mesmas se comparam á figura de linguagem metáfora, na qual a mesma se torna outro conscientemente, e que Quixote idealiza, conscientemente, as coisas por meio de sua imaginação poética a fim de atingir sua originalidade como cavaleiro andante, pois para ele o não ser invisível é o ser visível.
           Apesar do protagonista ser taxado como louco, sua relação com Dulcinéia Toboso demonstra que o mesmo tem plena consciência da ficcionalização de sua loucura e de seus comportamentos ao declarar que sua dama é a lavradora Aldonza Lorenzo. Assim percebe-se que o mesmo sabe que não há apenas a Dulcinéia dele, mas há também a de Sancho. Assim ficção e realidade, o texto e a vida, Dom Quixote e Sancho, a razão e a loucura, o ser e o não ser. Dessa forma, Aldonza e Dulcinéia representam a união dialógica dos contrários – uma das questões mais relevantes da obra cervantina.
Segundo Foucault (1990), Um enunciado tem sempre uma existência material: conforme repetido, rescrito, transcrito, ele pode permanecer o mesmo, mas também pode ter seu status alterado. Uma frase dita por um escritor na vida real ou colocada por esse mesmo escritor na boca de um personagem de um dos seus livros não será necessariamente o mesmo enunciado. Foucault aborda em “as palavras e as coisas”, a questão da fragilidade da relação que une o significante ao significado, ou seja, a fragilidade, a arbitrariedade entre a palavra e aquilo que ela representa, designa. No texto barroco é comum a expressão da realidade através do sentido das palavras. Desta forma, todo o texto é permeado de palavras e expressões figurativas, figuras de linguagem dispostas de modo a representar de certa forma visões, ilusões e delírios expressados pelas personagens. No texto barroco há algo de descontínuo, fortalecido pela fragilidade entre significante e significado, entre ficção e realidade.
          Em “Dom Quixote de la Mancha”, essa descontinuidade é representada, conforme ressalta Foucault, pela figura de Quixote, que se insere num jogo lúdico entre o real e o ficcional. O cavaleiro andante constituído a partir da leitura de novelas de cavalaria representado pela figura quixotesca, ficcionaliza o real acreditando na transmutação da realidade. O problema da relação entre a ficção e a verdade é algo que pode levar à loucura, como aconteceu com Tasso, autor de novelas de cavalaria cristã. Isso talvez explique os devaneios, os delírios e a loucura de Quixote já que ele é reflexo e reprodução dos cavaleiros andantes que leu. Ao se deparar com moinhos de vento e vê-los como gigantes, transmuta o real, provocando uma descontinuidade na representação da realidade, pondo em xeque a relação entre as palavras e as coisas. Nessa descontinuidade os moinhos deixam de ser representados pela arbitrariedade entre significante e significado, ganhando outra conotação, que para Quixote é verdadeira.
           Desta forma, nas aventuras de Quixote encontra-se o término dos antigos jogos das semelhanças e dos signos, travando-se assim, novas relações como união dialógica dos contrários representada pelos personagens e a relação ficcionalizada por Quixote ao imaginar que os moinhos de vento são gigantes que podem matá-lo e ao localizar-se entre a razão e a loucura e entre um amor e outro nos eflúvios de sua imaginação.

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